quinta-feira, 26 de março de 2009

O trabalho escravo e as ameaças à incipiente democracia brasileira



Paulo Henrique Costa Mattos é professor de Sociologia e Antropologia do Centro Universitário UNIRG e presidente do PSOL-TO






O trabalho escravo é uma praga renitente que cresce junto com o desmatamento da Amazônia por causa da impunidade e morosidade da justiça no Brasil. Hoje apenas 50% das denúncias são investigadas e a tendência é que esse tipo de crime cresça em função da crise econômica mundial. Isso ocorrerá porque essa é a forma dos grandes empresários do agronegócio compensar suas perdas pela diminuição das exportações de produtos primários e para manter sua alta lucratividade. Já existem evidencias de que 2009 baterá o recorde de trabalhadores em regime de escravidão, basta ver que o número de trabalhadores libertados vem aumentando.


Recentemente no mês de março foram liberados 280 trabalhadores em regime análogo ao da escravidão, na Fazenda Bacabal, no município de Caseara, a 230 km de Palmas. Essa é mais uma prova de que em função da grande crise econômica que se abateu no mundo cada vez mais os trabalhadores rurais e urbanos serão esfolados pelo desrespeito aos direitos trabalhistas e direitos humanos mais elementares.


Na guerra internacional pela ocupação do mercado mundial da carne, da soja, do algodão, do açúcar, do aço, um certo Brasil continuará usando sua secular arma secreta: o trabalho escravo. Por isso a luta pela Aprovação do Projeto de Emenda Constitucional - PEC 438 e pela Erradicação do Trabalho Escravo é uma das lutas mais urgentes do Brasil. A proposta da PEC do Trabalho Escravo aguarda desde agosto de 2004 a votação em segundo turno no Plenário da Câmara é decididamente uma segunda abolição, mas precisa receber mais atenção por parte da sociedade civil e dos parlamentares que ainda acreditam que escravidão não combina com democracia, com ampliação dos direitos sociais e com cidadania. Essa PEC é emblemática não apenas por seu simbolismo, por reforçar a função social da terra já prevista na Constituição, mas também por ser a matéria sobre o tema com o trâmite mais avançado: a maioria delas está em média há dois anos parada no Legislativo. No Senado Federal, a PEC 438/2001 tramitou durante dois anos e foi aprovada em 2001, quando foi encaminhada para a Câmara.
Devido a mudanças propostas por membros da bancada ruralista na primeira votação (para inserir os imóveis urbanos na expropriação), a matéria terá que retornar ao Senado depois de aprovada no Plenário da Câmara.A aprovação da "PEC do Trabalho Escravo" pode contribuir para o fim da impunidade: muitos fazendeiros flagrados cometendo esse crime são reincidentes. Entre os que já figuram ou já figuraram na "lista suja", estão políticos e grandes empresas, muitas delas exportadoras. Desde 1995, ano da criação do grupo móvel de fiscalização do governo federal, mais de 28 mil pessoas ganharam a liberdade.Hoje 60% das denúncias de trabalho escravo recebidas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) se referem à pecuária, seguida pela soja, algodão, cana e carvoarias. Todos esses produtos são insumos de exportação e elementos centrais do agronegócio. Desses produtos todos, apenas o carvão não é um produto para exportação, mas serve para alimentar os fornos das grandes siderúrgicas da região norte, que também exporta alumínio e outros produtos elaborados. De acordo com a CPT, as ocorrências de trabalho escravo no Brasil até agora resistiram porque tem vínculos com a expansão das atividades agrícolas voltadas ao mercado internacional. Segundo a CPT, em 2008 foram libertadas pelas equipes móveis do Ministério do Trabalho mais de 6,9 mil pessoas submetidas a condições semelhantes às da escravidão. Desse total, quase três mil estavam no Centro-Oeste e cerca de duas mil no Norte. Regiões de fronteira agrícola, onde as grandes propriedades se aliam às altas taxas de desemprego, favorecendo a contratação de trabalhadores em condições degradantes. Na região Amazônica mais uma vez se repete o ciclo de deslocamento de produtores rurais vindos do sul, principalmente do Paraná e Rio Grande do Sul, que compram milhares de hectares de terras para plantar soja ou criar gado. Esses grandes produtores geralmente realizam grandes derrubadas, introduzem grandes quantidades de pesticidas, equipamentos agrícolas sofisticados e super exploração da mão de obra.Na atual conjuntura de aprofundamento da crise econômica mundial, diversas áreas agrárias estão sendo vítimas de trabalho escravo e grilagem como uma forma de manter a alta lucratividade de setores que apostaram todas suas fichas no cassino global e agora foram pegos de “surpresa” por um tsunami financeiro.
Uma crise que ainda não demonstrou todas as suas graves conseqüências, mas que ainda está longe de ser superada. E como sempre nos momentos de crise são os trabalhadores que irão pagar o maior preço, com o desemprego, as diminuições de salários, a precarização das condições de trabalho, o desrespeito à legislação trabalhista e escravidão urbana e rural. Se a crise mundial já está gerando situações sociais terríveis no meio urbano, hoje no meio rural temos o envolvimento de um grande número de famílias em situações cada vez mais violentas, bárbaras e de total desrespeito aos direitos humanos. Milhões de sem terras e lavradores tem sido vítimas da especulação fundiária provocada pela implementação de grandes plantações de soja e outros grãos. Quase sempre esses grandes proprietários de terras não assumem compromissos empregatícios legais, sonegando garantias trabalhistas e realizando a super exploração da mão de obra. Direitos como carteira assinada, 13° salário, indenização ou fundo de garantia, inscrição no INSS ou férias não são cumpridos e são praticamente desconhecidos nas regiões de expansão das fronteiras agrícolas e em muitas regiões onde há o agronegócio. A impunidade e o desrespeito aos direitos humanos são tão grandes nessas regiões, que até mesmo conhecidos políticos praticam trabalho escravo sem que haja nenhum tipo de sanção ou simplesmente quando são sancionados conseguem amenizar as decisões judiciais. Esse foi o caso, por exemplo, do Senador da República pelo Tocantins João Ribeiro, que foi flagrado praticando a escravidão no sul do Pará (Fazenda Piçarra), multado em mais de R$ 700.000,00 conseguiu baixar a multa para pouco mais de R$ 7.000,00 reais e ainda dizer-se vítima da armação de políticos de oposição. A Senadora Kátia Abreu, que além de política é fazendeira no Tocantins e presidente nacional da CNA (Confederação Nacional da Agricultura) tem dito que essa “história de trabalho escravo é exagero da imprensa, que isso não existe e querer obrigar os produtores rurais a oferecerem vaso sanitário e bons alojamentos a trabalhadores no meio do mato é um luxo que eles não tem nem mesmo nas cidades em que vivem. Isso só denigre a imagem do Brasil lá fora.” Taí uma típica postura dos defensores e lobistas do agronegócio.
Como grande parte dos trabalhadores brasileiros vive na miséria, mais uma miséria aqui ou acolá não fará diferença. Mas será que na sede da CNA seria admissível fazer as necessidades fisiológicas em buracos, fazer reuniões debaixo de pontes ou de árvore, tomar água suja ou comer comida estragada seria aceitável? Acredito que não. Hoje a senadora Kátia Abreu junto com o Senador João Ribeiro são os virtuais candidatos a governador do Tocantins, sendo inclusive os mais bem cotados nas pesquisas. O senador João Ribeiro chegou inclusive a espalhar por todo estado grandes outdoors abraçado ao presidente Lula, com a seguinte frase atribuída ao mesmo: “João Ribeiro é um político imprescindível para o Tocantins. Nesse eu confio!” Enquanto Lula continua apoiando, confiando em neo-escravocratas e dizendo que grandes usineiros e produtores de álcool e biodiesel são “heróis” e “vítimas da crise econômica mundial”, a escravidão amplia-se e está virando um sistema “moderno” de espoliação de uma população vulnerável, sem acesso a educação, à terra, a oportunidades de trabalho e ainda iludidas com o governo.A escravização de milhares de cidadãos brasileiros como forma de baratear os custos de produtos exportáveis e tirar vantagens é uma pratica largamente usada no Brasil e ameaça ampliar-se aprofundando a barbárie que assola o país, enquanto políticos inescrupulosos e escravocratas são “incensados” como “celebridades” e lembrados como futuros candidatos (as) a governos estaduais e até mesmo a vice-presidência. Mas enquanto Lula faz questão de demonstrar que esqueceu e traiu o seu passado de trabalhador e ex-operário os procedimentos da escravização contemporânea não devem em nada ao da escravidão antiga e ao acaso: são metodicamente padronizados de Alagoas a Mato Grosso, do Rio de Janeiro ao Pará, da Bahia à Rondônia, do Maranhão e Piauí, de Goiás a Tocantins.Se o Brasil não tomar consciência urgência do tamanho do retrocesso econômico e social em que estamos metido no governo Lula em breve haverá uma nítida impressão de que os dez anos de mandato de Fernando Henrique Cardoso como ministro da Fazenda e como presidente foram menos danosos ao país. Isso porque apesar de FHC ter feito um governo entreguista, subordinado, privatista “nunca antes na história desse país” os ricos ganharam tanto quanto agora. Nos dez anos de FHC (1993 a 2002) as remessas de lucros ao exterior foram da ordem de US$ 5 bilhões de dólares. Sob o governo Lula somente no ano passado, segundo o próprio Banco Central, foram enviados para fora do país 33,8 bilhões de dólares, uma sangria de riquezas que tem um alto custo social em “nosso” país. Essa situação de dependência externa, a persistência de uma estrutura fundiária arcaica, quase medieval, onde persiste a concentração fundiária, com imóveis com mais de mil hectares concentrando 183,5 milhões de hectares (43,7% das terras), aumento do trabalho escravo, falta de reforma agrária, destruição da Amazônia e aprofundamento da crise econômica poderão nos fazer enfrentar novamente um longo processo de estagnação econômica e profundos impactos sociais, com graves conseqüências para a incipiente democracia brasileira.

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