terça-feira, 4 de março de 2008

CUBA PÓS-FIDEL CASTRO

Fábio Duarte
Professor de Filosofia (UFT- Campus de Palmas)
Secretário-Geral do Sindicato dos Docentes da UFT
e-mail: fahenduarte@hotmail.com


A eleição pelo Parlamento cubano, neste domingo (24/02/2008), dos nomes de Raúl Castro e de José Ramón Machado para os cargos de presidente e vice, respectivamente, consolidou o afastamento de Fidel Castro do cargo majoritário daquele país após 49 anos. O que isto significa? Ao buscar elementos para refletir esta questão, estaremos empreendendo uma tentativa de análise desde um ponto de vista, diríamos, à esquerda, tentando entender quais os percalços que não possibilitaram a Cuba alcançar o “sonho socialista”. Afastamo-nos assim de modo deliberado das críticas à direita que, nos últimos dias, abundaram no tom acusativo e de louvores precipitados ao ingresso da Ilha rebelde na globalização capitalista inevitável.

Lembremos que Fidel Castro está afastado desde 31 de julho de 2006, após problemas de saúde que o levou a uma cirurgia abdominal. O seu afastamento, de modo claro, não o impedirá de manter um papel simbólico na administração de Cuba, pois ele foi um dos líderes máximos da Revolução que, em 1959, derrubou a ditadura de Fulgêncio Batista, subordinado aos ditames do governo e das empresas estadunidenses.

Naquela ocasião, Cuba não passava de colônia de veraneio dos ricos de Miami, onde abundavam cassinos e imperava a prostituição. A princípio, a Revolução Cubana na era comunista, mas almejava apenas a derrubada do regime ditatorial. No entanto, devido à conjuntura internacional, foi estabelecendo contato com a antiga URSS e, no dia 16/04/1961, Fidel Castro declarou a Revolução como socialista. Durante trinta anos, a antiga URSS destinou a Cuba o equivalente a 80 bilhões de dólares, destinados, sobretudo à construção de escolas e hospitais, acarretando a melhoria das condições de vida da população. Cuba encarnou, a partir daí, na década de 60, o sonho de uma América Latina liberta das garras do Tio Sam e trilhando os caminhos do socialismo.

A aproximação com a URSS se fez, contudo, nos marcos da “reburocratização” do regime soviético promovido por Brejnev, após a saída de Krushev, o que significou trilhar pelo caminho para a fossilização do socialismo, com a hegemonia do partido único, tendo como conseqüência um regime sem pluralismo de idéias e com a economia planificada pelo Estado-partido. Assim como na União Soviética, ocorreu a formação de uma classe dirigente privilegiada.

O que devemos indagar é se, na consolidação da soberania cubana, com a maior potência bélica capitalista a apenas 140 km de distância e com embargo econômico (fatos estes também fundamentais para a evolução e identidade do regime cubano), seria possível resistir em outras condições. A abertura da Revolução Sandinista e a vitória de Violeta Chamorro, na Nicarágua da década de 90, devem nos servir de alerta para não fazermos leituras simplistas e condenatórias.

Com o fim da União Soviética, Cuba, na década de 90, viveu problemas graves, ficou sitiada e o caminho para o capitalismo parecia inevitável. Para se ter uma idéia da situação, o PIB caiu 35% em apenas quatro anos. Ocorreram problemas como apagões elétricos, precarização do transporte urbano, queda no índice das terras cultiváveis (hoje com um terço destas terras não sendo usadas), abandono da frota pesqueira (tornando o peixe artigo de luxo), a importação de alimentos (que chega hoje a 50%).

Estas dificuldades levaram as FARs (Forças Armadas Revolucionárias) a assumirem um posição fundamental na economia, controlando 30% das empresas e mais de 60% das divisas do país, estando presentes em setores como o turismo, a agricultura, as telecomunicações. Outro fato relevante na economia é que cerca de 76% do PIB vem da economia de serviços, a exportação de médicos e professores (eles são, aproximadamente, 20 mil só na Venezuela). Não devemos esquecer também que há uma distinção entre a moeda corrente, o peso (o salário médio do trabalhador é de 225 pesos, ou 12 dólares) e o CUC (pesos conversíveis), que equivale a 1,20 dólar. Há uma tensão entre aqueles que têm acesso ao peso forte provido pelo turismo e remessas do exterior e aqueles que devem se conformar com serviços subsidiados pelo Estado (gás, luz, telefone, educação e saúde gratuitos).

A abertura da economia cubana a partir de 1997, se deveu principalmente ao turismo e agora, com sua presença na ALBA, há possibilidades abertas, destacando-se principalmente a relação com a Venezuela no comércio de petróleo e a venda de cobalto e níquel.

Em termos de consolidação da Revolução, observa-se hoje um discurso mais próximo do nacionalismo revolucionário do que ligado à tradição marxista. Os caminhos a serem percorridos por Cuba é uma incógnita. Não será, contudo, uma abertura nos moldes da perestroika soviética, que priorizou a abertura política, que depois fugiu ao controle. A saída será à chinesa? O modelo chinês priorizou a abertura econômica, com forte controle do partido – no caso de Cuba, esta solução seria através do PCC e das FARs. A China, contudo, baseia seu modelo na exploração exacerbada do trabalho e Cuba tem peculiaridades que não nos faz pensar nesta solução. Atentos à história (principalmente à luta por sua soberania e às conseqüências da restauração capitalista nos países do antigo leste europeu), os cubanos não serão ingênuos em relação a uma restauração do capitalismo sobre “as conquistas da revolução e da dignidade nacional”. De qualquer modo, o afastamento de Fidel Castro e todo o seu peso simbólico ocorre no momento do declínio ideológico do neoliberalismo, que serviu de receituário para a América Latina na década de 90, e no bojo da sucessão presidencial nos EUA, em que qualquer candidato vencedor (quer seja McCain, Obama ou Hilary Clinton) uma coisa é certa: a derrota dos conservadores que estiveram no poder durante os oito anos desastrosos do governo Bush, que pode passar para a história como o pior governo da história daquele país, deixando a herança de fracasso nas guerras no Iraque e no Afeganistão, déficit econômico, concentração de renda etc.

Cuba, a partir de projetos de integração latino-americana, como a ALBA, aponta para um futuro sem traumas. Em termos políticos, devemos atentar para o papel das FARs e também da sociedade civil com suas reivindicações. De qualquer modo, com a saída de Fidel Castro uma era se encerra, aquela do sonho do socialismo real, mas, com certeza, coloca o seu nome na história. Refletir sobre a Revolução Cubana e ver os seus percalços até o socialismo, inspira-nos a não sucumbir a uma lógica do inevitável capitalismo triunfante e deixar em aberto a possibilidade de construirmos outros caminhos políticos.

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